ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA JEANINE ROLIM MEIER

Jeanine Rolim. Crédito: Sossella

 

 

JEANINE ROLIM MEIER – Graduada em Psicologia (FDBPR e Pedagogia (UFPR). Especialista em Intervenção Cognitiva e Aprendizagem Mediada pelo Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Paraná (CDCP) e Pós-graduada na Teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva de Reuven Feuerstein. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental. Foi professora no Ensino Fundamental, além de gestora em Centros de Educação. Atuou com crianças em situação de risco junto a uma ONG na Colômbia. Atualmente é psicóloga clínica e palestrante nas áreas de psicologia e educação. Comentarista em TV e rádio nos temas relacionados a comportamento. É autora do livro Bullying sem blá-blá-blá nas versões adulto e infantil.

A seguir, entrevista concedida a coluna Katia Velo.
A Psicologia é uma das disciplinas acadêmicas mais antigas, e também, uma das mais atuais. Isto porque, filósofos e pensadores já se debruçavam sobre temas que só recentemente foram incorporados à área. Então, a Psicologia passou da desconfiança para importância. A que você atribuir essa grande mudança.

Essa mudança se deu pela própria evolução da Psicologia enquanto ciência. O que antes baseava-se apenas em pesquisas mais “simples” de pequeno porte, ainda lá com Wundt (considerado o pai da psicologia), tomou proporções muito mais expressivas, baseando-se em evidências e, consequentemente, ganhado espaço no mundo acadêmico científico.

Hoje, raramente se fala em estruturas psicológicas sem fazer menção às descobertas das neurociências, que tomaram corpo ao final do século XX, através das neuroimagens e escaneamento cerebral que permitiu o estudo do cérebro vivo, possibilitando a associação das estruturas cerebrais às emoções vividas, por exemplo.

Aquilo que antes eram suspeitas de grandes filósofos elucidou-se por meio de exames e experimentos em que, por exemplo, áreas cerebrais são ativadas mediante esse ou àquele estímulo. Desta forma, todo estudo feito ao longo dos pouco mais de 100 anos da Psicologia, foram hora corroborados e aperfeiçoados, hora negados pelas evidências advindas das pesquisas e experimentos neuropsicológicos.

 

A flexibilidade da área de Psicologia forma profissionais atuantes em: educação, saúde, esporte, entre outras. Portanto, há um grande leque de opções aos profissionais da área. Qual a sua opinião sobre isto.

Minha opinião é que isso é maravilhoso! Psicologia significa o estudo da psiquê que é a palavra grega para alma, que no latim corresponde à palavra ânima , que origina alma. Não se refere aí à alma no senso comum, de cunho espiritual, mas sim alma na ideia de mente, de funcionamento psíquico, aos sentimentos, pensamentos e sensações tidas pelo homem.

Desta forma, como poderia a Psicologia não estar em absolutamente todos os campos imagináveis da vida em sociedade, posto que estes campos são compostos por pessoas dotadas de uma mente, repletas de sentimentos e pensamentos que geram comportamentos.

Quanto mais nos permitirmos nos conhecer, melhor serão as relações, sejam amistosas, de trabalho, familiares, de equipe etc. Concorda? Quando temos uma educação emocional, sabemos nosso modo básico de funcionamento e minimamente como lidar com esses modos, agiremos de forma mais inteligente e assertiva. Agora imaginemos isso em um exemplo prático: o trato de um médico ou enfermeiro ao paciente internado há meses em um hospital especializado no tratamento do câncer. Quanto mais proveitoso seria a forma com que esses profissionais abordam o paciente e seus familiares ao comunicar um diagnóstico ou prognóstico negativo, em acolhê-lo num momento de extrema dor ou motivá-lo numa etapa da recuperação?

A inserção da ciência psicologia nos mais diversos âmbitos sociais só trará benefícios a todos os envolvidos, sem dúvida. É preciso seguir investindo nesse processo de popularização dos estudos da psique a fim de potencializar resultados e proporcionar melhor qualidade relacional (e de vida) a todos.

 

Além da diversidade no campo de atuação há linhas como a Psicanálise, Analítica, a Cognitivo Comportamental, a Humanista entre outras até as mais atuais como, por exemplo, a Mindfulness Psychology. Como escolher o psicólogo ideal ao que precisamos?

Esta é uma excelente pergunta, Katia, para trazermos a público uma grande verdade que, por vezes, acaba sendo ofuscada por algumas posturas extremas infelizmente adotadas por alguns profissionais da própria área.

A primeira informação que uma pessoa deve ter ao pensar em procurar um psicólogo para um tratamento psicoterapêutico, é a garantia de que todas as abordagens são eficazes naquilo à que se propõem. Importante ressaltar aqui, entretanto, que me refiro às abordagens oficiais dentro do estudo da psicologia, já consideradas cientificamente. Como em todas as áreas de conhecimento é muito importante tomar alguns cuidados e informar-se adequadamente quanto às novidades e modismos, especialmente quando propõem resultados milagrosos.

Pois bem, sendo todas as abordagens eficientes, o que deve orientar uma pessoa na busca de um profissional deve ser a informação. Eu aconselharia esta pessoa a pesquisar um pouco sobre a dinâmica de trabalho das abordagens principais, mesmo na internet, mas em sites confiáveis como o do Conselho Regional de Psicologia de sua região, por exemplo. É possível, inclusive, entrar em contato com esse órgão para pedir ajuda nesta compreensão. Ao fazer isso você terá elementos para fazer a escolha da abordagem que lhe parecer mais adequada ao seu perfil, isto é, optará por aquela que “faz verdade” em você ao ler seu modo de trabalho. Apesar de já informado, sempre aconselho às pessoas que perguntem diretamente ao seu psicoterapeuta como funciona a abordagem que ele segue, desta forma haverá elementos suficientes para optar ou não pela continuidade do tratamento ou não nesta linha.

Apenas acho importante pontuar que Mindfulness não é considerada uma abordagem psicológica, mas sim uma técnica estudada há muitos anos e atualmente corroborada pelos estudos neuro-científicos, utilizada em alguns tratamentos psicológicos, psiquiátricos e médicos em geral.  De forma simples, mindfulness pode ser definido como um conjunto de exercícios de respiração e concentração, cujo objetivo é trazer um estado de consciência específico no qual a atenção está voltada integralmente para o aqui e agora. Atingir tal estado ou aprender a manter-se assim, viabiliza a redução do estresse e um maior controle emocional.

 

Nas Olimpíadas Rio 2016 em muitos momentos foi ressaltado o importante papel do psicólogo na extraordinária recuperação de atletas como Diego Hipólito, por exemplo. Este tipo de visibilidade ajuda ou pode colocar muito peso sobre os ombros desse profissional?

Acredito que o peso sobre os ombros de um profissional da área de saúde mental é o mesmo que tantas outras profissões carregam nessa cultura imediatista que vivemos: o do resultado rápido e milagroso.

O destaque que o trabalho do psicólogo do esporte e do psicólogo clínico (que atente em consultório) tiveram nas Olimpíadas só veio a somar. Tomando como  exemplo o caso do próprio Diego Hipólito que você muito bem mencionou, houve espaço midiático para ele contar que a psicoterapia pode ajudar a superar derrotas e a depressão em decorrência delas. Isso só vem popularizar uma informação importante de que todos nós – famosos ou não – estamos sujeitos a doenças da psiquê e não há demérito algum nisso. Quando uma figura pública conta sobre sua prática de cuidado com a saúde mental , evoluímos na tarefa de desconstruir o estigma de que psicólogos e psiquiatras “cuidam de loucos”, e passamos a construir uma nova – e genuína ideia – da necessidade de percebermos os sinais de adoecimento da mente com a mesma importância que já nos habituamos a dar às dores do corpo.

 

Muito se fala sobre bullying, as crianças realmente estão cada vez mais cruéis e contam com o auxílio da internet, mas, de forma adequada e na medida certa, lidar com as dificuldades e rejeição não é necessário para nossa evolução.

Sem dúvida é necessário. O bullying tornou-se um termo banalizado, usado erroneamente para referir-se a todo tipo de brigas entre crianças e adolescentes, é preciso distinguir. Para que uma agressão seja de fato bullying, é preciso atender a três critérios: a repetição, a intenção de ferir psicológica e/ou fisicamente e, por fim, a disparidade de forças. Ou seja: nem toda agressão ou briga é bullying! Na maioria das vezes trata-se daquelas brigas cotidianas, as conhecidas encrencas típicas do período da infância e da adolescência que, claro, merecem também nossa atenção enquanto pais e educadores, mas devem ser tratadas de outra forma.  Nessas desavenças do dia-a-dia é muito importante que os futuros adultos aprendam a lidar com as dificuldades, comecem a se posicionar diante dos colegas, argumentar seus motivos e defender-se por si mesmos. É nesse movimento normal da relação com os amigos que a criança irá aprender modos de defender-se, de lidar com a frustração e de tolerar aos outros, fatores essenciais para uma vida saudável “ali na frente”, quando forem funcionários, empresários, esposos, pais e todos os outros papéis que a vida nos traz.

O bullying, da mesma forma, é uma oportunidade para todo esse aprendizado das habilidades sociais, mas pelo caráter mais agressivo, sua intencionalidade e sua frequência, torna necessária a intervenção dos adultos responsáveis a fim de mediar uma reconciliação e novas percepções sobre o outro.

 

Na Idade Média, a risada, principalmente pelo clero, era considerada demoníaca. Felizmente de lá para cá, muita coisa mudou. No entanto, a obrigatoriedade de estar feliz o tempo todo como demonstrado nas redes sociais, pode interferir no nosso estado emocional.

Verdade, nos tornamos escravos da felicidade. E afinal, o que é essa tal felicidade? A velha mania de acharmos que existe um baú cheio dela ao final do arco-íris ainda nos faz persegui-la a altos e irreversíveis custos.

As redes sociais têm sim potencializado esse grande mal da felicidade constante, mas a bem da verdade é que há séculos o bicho homem sente-se orgulhoso ao mostrar às outras suas realizações. Até pela raiz histórica disso é que acabamos achando normal e quase insano mostrar-se triste ou momentaneamente fraco. Como se fosse realmente possível estar feliz sempre e nunca viver momentos ruins.

Gosto muito da canção “Trem Bala”, na qual sabia e belamente Ana Vilela diz que a vida “é sobre ser abrigo e também ser morada em outros corações”, muito mais que coisas e feitos, muito menos que sorrisos plastificados. A linha do humor humano está longe de ser linear, e isso é saudável. Portanto é preciso aprender a ver a beleza e os ensinamentos de cada fase de nossas vidas, deixando de lado a crença de que um dia tudo será perfeito, idealizado. Além de tomar muito cuidado com o grau de importância dado às opiniões dos outros a seu respeito, que podem estar levando-o a demonstrar uma alegria mentirosa sob a justificativa de receber aprovação e amor.

 

Há muitos livros de autoajuda que buscam resolver todos os males da humanidade. A simplicidade com que são tratados alguns temas podem piorar a situação de quem deveria, primeiro buscar a ajuda de um profissional.

Sem dúvida a simplicidade da exposição de alguns conceitos tão sérios podem piorar ou maquiar transtornos graves, levando centenas de pessoas a não buscarem uma ajuda profissional quando esta é extremamente necessária. Entretanto, não pretendo aqui demonizar a autoajuda e seus tantos autores. Se por um lado trazem informações rasas e até uma espécie de “crendice popular cientifizada”, ao menos estão falando do que é preciso falar: educação emocional.

O grande x da questão, a meu ver, é que infelizmente o meio acadêmico no Brasil (assim como em tantos outros países), parece sentir um extremo orgulho de suas produções científicas e ponto de as enclausurarem em seus castelos do saber sem que sejam acessadas pela grande maioria da população – a saber, não acadêmica. Desta forma pesquisas incríveis que poderiam ter seus resultados aplicados na prática do S. João lá na cidadezinha do interior, mantém-se em uma plataforma de artigos científicos à qual você só tem acesso mediante ao pagamento ou se estiver dentro de algumas poucas universidades. Universidades estas que provavelmente jamais serão visitadas pelos Seus Joãos do Brasil afora.

É um contrassenso tão grande a “proteção” desse saber acadêmico, que acaba por dar espaço aos rasos, como alguns autores dos livros de autoajuda mais vendidos por aí. Então ao invés da promoção da popularização daquilo que se está descobrindo de mais novo nas pesquisas universitárias, temos a disseminação de “achismos” baratos ou de pessoas que afirmam ser o inventor da roda, dando apenas um novo nome a ela.  Por pouco mais de $10 reais pode-se comprar um livro sobre o sucesso ou a realização desses que pouco mudam a vida na prática, mas que são o que se tem acesso. Uma pena.

Obviamente que temos tido alguns passos de mudança nesse aspecto, com um pouco mais de espaço nas mídias para profissionais gabaritados levarem informação de verdade à população, mas ainda é pouco e muito restrito.

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