Entrevista: ANTONIO CARLOS ABDBALLA

Flor Fantástica de Niobe Xandó (1964)

Publicada site antigo – 20/10/2008

ENTREVISTAS
 
 

O curador Antonio Carlos Abdalla em passagem por Curitiba por ocasião da abertura da exposição “Niobe Xandó – Mostra Antologia – A Arte de subverter a ordem das coisas II”, no Museu Oscar Niemeyer, concedeu entrevista para os sites GuiaSJP e Inconfidencial, por e-mail.

SOBRE A EXPOSIÇÃO:
Niobe Xandó – Mostra Antologia – A Arte de subverter a ordem das coisas II
Niobe Xandó (São Paulo, 1915) é considerada a precursora do realismo mágico no Brasil. É autora de uma produção repleta de simbolismos e elementos gráficos.
A exposição é abrangente e apresenta cerca de 240 obras, entre pinturas, desenhos, colagens e objetos. Das 13 fases existentes na obra de Niobe, são exibidos trabalhos representativos de cinco delas segmentados como Flores Fantásticas, Máscaras, Letrismo, Mecanicismo e Abstracionismo Geométrico. Niobe Xandó iniciou a carreira na década de 1940 e produziu ao longo de 60 anos. Atualmente, aos 93 anos e por questões de saúde não trabalha mais.
“A verdade é que a obra de Niobe Xandó é uma celebração. Essa artista sensível e intuitiva nos leva a uma viagem mística, desde suas flores fantásticas – brotadas no campo da imaginação e da natureza oculta – até a magia e a beleza de suas máscaras – criadas quase como um hino de louvor aos deuses conhecidos e desconhecidos, onipresentes e propiciadores.” Curador Antonio Carlos Abdalla

ENTREVISTA:
Katia Velo – Há mais de 60 anos e após produzir obras de reconhecido e, principalmente, singular valor artístico, Niobe Xandó, ainda não possui a notoriedade merecida. Em sua opinião, por que isto ocorre?

Antonio Carlos Abdalla: Niobe sempre contou com as atenções da crítica,
não há como negar (minha pesquisa sobre ela conseguiu reunir, até
agora, mais de 150 críticas assinadas, no Brasil, na Espanha, na França, na Inglaterra, na Suécia e nos Estados Unidos, países onde ela viveu).
O público também sempre se surpreendeu e compareceu às exposições, sem dizer dos colecionadores, que sempre foram fiéis. A notoriedade merecida não veio porque Niobe sempre foi silenciosa e muito pouco ligada às “badalações”, da mídia e do mercado. Infelizmente, são estes dois fatores, hoje, que “elegem” o artista que merece o destaque do momento.
O relativo silêncio sobre a obra de uma artista do nível de Niobe Xandó infelizmente atinge outros grandes artistas brasileiros, igualmente sérios e de real valor, esquecidos dos interesses urgentes e mercadológicos.
É uma falha grave no Brasil, onde a própria crítica de arte perdeu por completo o espaço diário nas mídias, impressas ou não.

Katia Velo – Niobe Xandó utiliza elementos como: flores irreais, máscaras aborígenes, códigos alfabéticos e recursos geométricos que recebem nomes como realismo mágico, mecanicismo, letrismo e abstracionismo. Estas são as fases mais conhecidas, mas há outras, também relevantes. Descreva algumas?

Antonio Carlos Abdalla: Há o figurativismo do início da carreira, as colagens,
a reprografia em cores (da qual foi, talvez, a primeira brasileira a lançar mão quando ainda morava em Nova York, em 1970-1971), os objetos, o retorno à figura (a partir do momento em que já dá indícios do Mal de Alzheimer, a partir de 1995) e as obras de síntese (desta fase há algumas poucas obras nesta exposição do MON, usadas como um “fecho” da mostra).

Katia Velo – Termos como individualidade, sensibilidade, singularidade, intuição, são alguns dos adjetivos utilizados por críticos para descrever sua obra. Niobe Xandó busca inconscientemente, através de uma linguagem pessoal, uma forma de expressar-se e, mesmo através de uma forma subjetiva, sua obra alcança um sentido universal? Ou é impossível alcançar um sentido universal para a arte?

Antonio Carlos Abdalla: Para mim, Xandó, em sua arte, foi um verdadeiro “radar”, captando determinadas solicitações expressas (ou apenas sugeridas) e que estavam “no ar” nos vários locais e épocas em que viveu. A verdadeira arte, perece-me, sempre tende a ser universal. O impacto com a fruição de uma obra de arte (seja ela produzida em qualquer época) tende a causar a emoção (em todos os seus matizes) nos observadores, sejam eles quem forem, e estejam onde estiverem… Assim é com os grandes mestres, nomeados ou não, desde Lascaux! Piero della Francesca é grande, para qualquer época ou lugar… Assim como Velázquez, ou Goya, ou Michelangelo… E os artistas brasileiros não são menores, quando são bons, claro! Julgamos uma obra, com as limitações de que somos efêmeros… a obra sobrevive a isso.

Katia Velo – Outra característica inserida em suas produções de elementos gráficos é a sutil introdução do lúdico e do humor. Isto se deve a quê?

Antonio Carlos Abdalla: Certamente ao seu caráter… Niobe é uma pessoa que mesmo sob as limitações de sua situação de saúde, é bem humorada, diverte-se com as coisas. A vida pessoal lhe reservou problemas grandes e ela respondeu com uma boa risada! Uma risada “séria”, conseqüente, responsável e partilhável, mas, enfim… uma risada! Sempre me lembro do que uma grande mestra que eu tive me dizia, nos piores momentos:
“Coragem, que a vida é de passagem!”. É um ditado italiano… prova de um povo que sempre produziu o máximo na Arte e sempre viveu a vida com o máximo de paixão. Acho que Niobe Xandó é isso: uma paulista de uma pequena cidade, muito ligada às coisas da terra, e um espírito universal, cosmopolita, metropolitano.

Katia Velo – Apesar da convivência com artistas como Maurice LeMaitre (artista e teórico criador do Letrismo), Niobe Xandó não está inserida em nenhum conceito artístico estanque, ou seja, nenhum “ismo”, isto se deve também ao fato de ser autodidata?

Antonio Carlos Abdalla: Creio que isso se deva ao fato de Niobe ser livre
demais para ser “encapsulada” em Escolas ou Movimentos. Não era do seu espírito, de sua índole.

Katia Velo -As obras de Niobe são freqüentemente descritas por críticos como formas primitivas típicas brasileiras. Isto se justifica?

Antonio Carlos Abdalla: Talvez eu repita o que já disse, mas a obra de Niobe Xandó explora o atávico, o ancestral, e isso não está presente somente no Brasil, é claro! Ela é universal nas suas solicitações, e brasileiríssima em suas soluções.

Katia Velo – Há mais de 10 anos você vem pesquisando o trabalho de Niobe Xandó. Apesar de tão profunda pesquisa, diferentemente do que acontece com muitos curadores, você não sobrepõe à obra a inúmeras e infindáveis explicações e conclusões, deixando um espaço, um fôlego, uma liberdade para quem vê a obra. Como você descreve “… provocar o observador e permitir que ele mesmo faça um exercício e vislumbre mais junções inéditas e a remontagem imaginativa de uma nova mostra”. Algo semelhante fora declarado por Álvaro Machado (Folha de São Paulo, Guia da Folha, SP, 05/05/2000): “A grande arte deixa uma porta aberta. Assim, cada visitante deve experimentar as próprias chaves para penetrar no universo de Niobe Xandó.” Podemos concluir que deve-se “entregar” a obra para que se estabeleça uma comunicação?

Antonio Carlos Abdalla: Bem… e não é isso que faz de uma exposição algo vibrante? Vivo? Não faço curadorias para teses acadêmicas. Procuro fazê-las para ver o público se emocionar! Como eu!

KV – A exposição “Niobe Xandó – A Arte de subverter a ordem das coisas ”, ocorreu no ano passado (2007) na Pinacoteca de São Paulo (SP). Após, o MON, qual será o itinerário desta exposição? Já há algum local agendado?

Antonio Carlos Abdalla: Tenho alguns projetos para a exposição… Gostaria, é claro, que se concretizassem. Para 2009, talvez, Porto Alegre. Para 2010, também talvez (as dificuldades são conhecidas…), Salvador… Torço para dar certo! Uma obra como esta não foi feita para ser vista por poucos!

Serviço:
Niobe Xandó mostra antológica
A arte de subverter a ordem das coisas II
Patrocínio: COPEL
Visitação: de 18 outubro a 01 de março
Museu Oscar Niemeyer
Rua Marechal Hermes, 999
Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h

Maiores informações:
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/niobe_xando

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