Cenários para o Brasil: isolamento vertical ou horizontal?

André Frota
Crédito: Divulgação

 

Nos últimos dias foi estabelecido um debate na sociedade brasileira entre duas opções de combate ao impacto do novo coronavírus no país. A primeira, de maior aceitabilidade internacional e defendida pela maior parte dos especialistas em saúde pública, bem como pelos governadores dos estados brasileiros. A segunda por sua vez é mais controversa, sendo defendida pelo governo federal, por um grupo mais fiel a esse governo e pelo presidente norte-americano.

Tomando como ponto de partida que essas sejam opções metodológicas — o que significa destituir, a título de raciocínio, os possíveis conteúdos políticos ou eleitorais dessas opções —, quais seriam os cenários para o impacto humanitário e econômico de cada uma, comparativamente?

Vamos iniciar essa reflexão criando dois cenários extremos, partindo de cinco variáveis que influenciam tanto o número de mortes quanto o produto interno bruto. A primeira, de natureza social, é o grau de aceitação e disciplina ao isolamento, seja ele vertical ou horizontal. A segunda, de natureza institucional, é a capacidade do sistema público de saúde absorver a demanda por leitos nos hospitais, em especial as Unidades de Tratamento Intensivo. A terceira, de natureza tecnológica, é a criação de uma vacina ou tratamento eficaz e que tenha capacidade de alcance para a população em todo território nacional. Por fim, as duas últimas são o tempo e o espaço. Todas essas variáveis devem ser aplicadas em um curto intervalo de tempo, de um a cinco meses, e em um território que possui uma hierarquia urbana própria, bem como uma estrutura de concentração populacional, assim como de circulação por esse espaço.

As cinco variáveis (social, institucional, tecnológica, temporal e espacial) precisam estar presentes nessa projeção. Podemos afirmar que outras forças poderiam atuar nessa elaboração, mas, em grande medida, essas seis grandezas resumem as demais perspectivas que possam ser incluídas em uma projeção de cenário mais complexa. Esse modelo, portanto, parte da intensidade em que essas variáveis são provocadas pelas opções de políticas públicas que a classe política adota.

Assumindo, então, que a opção de isolamento horizontal seja adotada, em qual dessas variáveis ela vai incidir? De forma direta, na variável social, ou seja, no grau de isolamento. Nesse sentido, caso a sociedade respeite uma quarentena estabelecida, o impacto social dessa medida é o confinamento dos focos de transmissão em núcleos isolados de disseminação do vírus. Contadas duas semanas de contenção, a maior parte dos focos de transmissão é encerrada, o que implica uma menor pressão na variável institucional — logo, menos indivíduos demandando leitos ou mesmo respiradores para os quadros graves. Em sequência, a produção de uma vacina ou tratamento leva tempo. Não existe uma receita que seja possível de ser disseminada para a população em um curto espaço de tempo. Não há vacina possível de ser fabricada em menos de um ano, nem tratamento testado para distribuição global. Essas três variáveis formam um sistema, que funciona em conjunto. Uma opção de política pública acarreta uma cadeia de eventos para todas as células desse sistema. Em duas a três semanas, caso a opção do isolamento horizontal ocorra, o número de mortes é reduzido e a curva de contaminação é achatada, uma vez que não há tratamento disponível.

A segunda opção de isolamento é a vertical. Caso este modelo seja adotado, como esse sistema formado pelas variáveis social, institucional, tecnológica, temporal e espacial responde? Vamos assumir que esse isolamento ocorra e boa parte da população de idosos seja preservada. No entanto, como os focos de transmissão ocorrem de forma desimpedida, o resto da população economicamente ativa, mais as crianças são infectados.  Qual seria o impacto disso na capacidade de absorção do sistema público de saúde? Não sobram leitos para os mais jovens, nem para as crianças, nem para os adultos. A curva de contaminação passa a ser exponencial, deixando infectadas inúmeras pessoas que não são idosas, mas que podem evoluir para um quadro de pneumonia grave que, caso não seja tratado, causa óbito também. Nesse cenário, uma vacina também não é produzida a tempo, nem qualquer tratamento confiável. O vírus espalha-se de forma exponencial em todo o território nacional.

As consequências humanitárias do isolamento vertical e horizontal são diametralmente distintas, conforme essa simulação. No caso da opção horizontal, uma centena de pessoas do grupo de risco vem a óbito e o resto da população encerra o período de quarentena em um período máximo de três semanas. No caso do isolamento vertical, a totalidade da população contrai o vírus e, como consequência, milhões de pessoas vêm a óbito por falta de tratamento adequado. Como os idosos foram isolados, a população economicamente ativa foi afetada e a pirâmide etária brasileira foi achatada. Além disso, o tempo de contaminação estende-se devido à transmissibilidade ocorrer, para cada indivíduo, de forma desigual. Em cada cidade pequena, média e metrópole, a contaminação ocorre de forma gradual, o que faz o vértice do gráfico de contaminação ter um leve achatamento e aumentar o tempo de permanência do vírus por mais de um mês no Brasil. A extensão do território nacional faz com que muitos focos do vírus ocorram de forma espaçada e permite a criação de novas ondas de contaminação a cada vez que ele atinge novos grupos de indivíduos ao longo do espaço.

Em síntese, os efeitos do isolamento vertical são menos eficazes em termos humanitários e econômicos, mesmo que pareçam em uma observação desatenta. Já o isolamento horizontal é mais eficaz, tanto em termos econômicos quanto em termos humanitários.

Autor: André Frota é membro do Observatório de Conjuntura e professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter.

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