“Do Lixão ao Oscar”

Sebastião Carlos Nascimento, ou Tião como é conhecido. Crédito: Divulgação

SEBASTIÃO CARLOS DO NASCIMENTO

Tião como é conhecido, é uma referência Internacional quando o assunto é reciclagem de lixo. Em 2007 teve sua vida transformada ao participar do documentário “Lixo Extraordinário” do artista plástico Vik Muniz. Em 2011 o documentário foi indicado ao Oscar e premiado em diversos festivais e mostras internacionais.

Desde os 11 anos, Tião trabalhava num dos maiores aterros da América Latina, o Jardim Gramacho (RJ), onde era presidente da associação. Mesmo no lixão, separava livros para ler, incentivado por sua mãe e o amigo Carlão. O aterro da Jardim Gramacho acabou em 2012 e Tião segue conquistando cada vez mais reconhecimento pelo importante trabalho. Lançou o livro “Do Lixão ao Oscar” em parceria com a jornalista Carolina Drago. Tião é Consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Projeto de Erradicação dos Lixões no Brasil e na América Latina – apoiado pela Fundação Clinton – e idealizador do Movimento Limpa Brasil.

A seguir, uma entrevista concedida por celular para a coluna Katia Velo:

KATIA VELO – Primeiro quero muito agradecer por conceder a entrevista, tanto porque sou super fã do documentário “Lixo Extraordinário” quanto para apresentar aos meus alunos, pois eles já assistiram e fizemos um trabalho. Bom, começo perguntando sobre o material reciclado, qual a importância de separá-lo. Você acha que apesar de tantas informações ainda tem gente que não separa. Acho que falta mesmo colocar a mão na massa, ou seja, separar o lixo de dentro de casa. Ainda há muito desperdício.

TIÃO SILVA – Primeiro vou falar de dados e depois de comportamento, pode ser.

KATIA VELO – Lógico, sou toda ouvidos.

TIÃO -Se tratando de dados o Brasil produz por dia 240 mil toneladas de resíduo, sendo 2% deste resíduo tem como destino a reciclagem, sendo que 40% é material reciclável e quando você analisa é um paradoxo. Por exemplo, se você pega a latinha de alumínio o Brasil é o país que mais recicla latinha de alumício no mundo, assim como garrafa pet. 98% das latinhas são recicladas no Brasil e 57% das garrafas pet. Por outro lado é um número insignificante a reciclagem do papel, do vidro e do metal. Por que este grande paradoxo. A reciclagem no Brasil nasce da pobreza e da exclusão social, ela nasce para combater a exclusão econômica de uma classe brasileira. Eu sempre dou o exemplo da minha mãe, quando ela foi com seus 8 filhos para o lixão, ela não foi por causa de consciência ambiental, pela educação ambiental, ou para salvar o mundo. Ela foi para sustentar os filhos. E se você for para uma questão mais social no Brasil, quem é o catador de lixo, é o cara que está rasgando o saco ou carregando o saco dentro do lixão. As pessoas ainda têm muito preconceito, não só a imagem do catador, pois é aquele cara que mata, sequestra, arranca a cabeça das crianças, poucas pessoas têm coragem de dizem para o seu filho, você está vendo aquele cidadão, ele contribui com a sociedade, com meio ambiente. Olha ele está exercendo seu trabalho de forma digna. Não! O que se fala é : “Se você for para a rua o homem do saco vai te pegar!” Então cria um cidadão passivo a exclusão, ao papel do catador. Ainda se trata resíduo como lixo no Brasil. Lixo é o que não serve para nada. O resíduo reciclável tem um valor social, econômico e ambiental e é isto que a nossa sociedade não aprendeu. A questão da reciclagem passa por três problemas: educação, conscientização e mobilização da sociedade sobre os problemas sociais e ambientais causados pelo lixo e acima de tudo que nem tudo que produzimos de fato é lixo que resíduo reciclável é matéria prima que pode ser transformada em insumo que vai ser transformado em outro produto. É este valor econômico que as pessoas não viram, só os catadores conseguem ver, e mesmo assim o trabalho dos catadores não é valorizado. Porque reciclagem no Brasil é coisa de gente pobre, enquanto nos países desenvolvidos é um avanço na cidadania, é um desenvolvimento do cidadão sustentável. Os países que mais reciclam são os mais ricos do mundo.

KATIA VELO – Tião, realmente você tocou num ponto importante, eu moro em São José dos Pinhais (RMC), falamos que o lixo reciclável é “lixo que não é lixo”, então o papel dos catadores é fundamental. Mas, estas pessoas são invisíveis, tem até um trabalho de um professor da USP que fez uma pesquisa, trabalhando como servente e ninguém o reconheceu. Você acha que o documentário “Lixo Extraordinário” trouxe mais visibilidade para este trabalhador, ou pelo menos, um olhar diferenciado. Eu acho que sim, eu por exemplo fui totalmente tocada, principalmente pela forma como estes trabalhadores foram apresentados.

TIÃO SILVA – Quando me perguntam se eu fiquei triste porque não ganhamos o Oscar, eu nunca me senti um perdedor, porque ele simboliza um evento. É uma estatueta aos melhores, mas chegar ali, já é um mérito. O maior Oscar do Lixo Extraordinário é a humanização, a valorização e o reconhecimento do trabalho dos catadores. E acima de tudo quando digo a humanização, eu digo mostrar as pessoas que elas são capacitadas, pessoas que leem, inteligentes, que sorriem, são pessoas humanas, seres humanas que exercem uma atividade extremamente importante que nem eram vistas como pessoas. Aquelas pessoas dentro do lixão, é aquilo que a sociedade exclui, é o lixo. São seres humados que a sociedade acha que é lixo. Gramacho representava isto, mas ainda há outros lugares que também representam. A sociedade cobra aparência, estudo, no lixão de gramacho incluia tudo isto. Sou otimista, principalmente quando você me fala que o documentário te tocou. Então ele atingiu o seu objetivo social, a valorização do trabalho dos catadores. O Vik toca em temas fundamentais: o social, sem ser piegas, não mostra as pessoas armaguradas, tristes. O documentário mostra que se der oportunidade, eles (os catadores) fazem arte, discutem política, filosofia, montam biblioteca, são pessoas que precisam de oportunidade. O ambiental, que é a questão da produção de resíduos, mas mostrando que tem uma saída que é a valorização do trabalho dos catadores. Acho que este é o maior Oscar do “Lixo Extraordinário”.

KATIA VELO – Eu dou mil Oscars para vocês. Na verdade, estes prêmios têm um mercado e só a indicação já trouxe muitos benefícios. E nem sempre os melhores são os vencedores destes prêmios. Sou super fã do Vik acho que ele tem um trabalho maravilhoso, é super sensível, tanto que fez este documentário. As pessoas que trabalham nestas condições precisam de cuidados especiais, há grandes problemas com acidentes, muitos destes trabalhadores não tem nem documentos. O que pode ser feito para evitar acidentes e para que tenha um futuro resguardado, como por exemplo a aposentadoria.

TIÃO SILVA – Eu defendo a reciclagem como um fator de inclusão social e como um fator de avanço de consciência ambiental do cidadão brasileiro e uma questão econômica também. O Brasil deixa de reciclar 8 bilhões de reais anualmente, quantos empregos não poderiam ser gerados! Eu não defendo que o catador tenha que estar dentro do lixão para ter acesso ao material reciclável. É preciso olhar o resíduo como bem econômico, como gerador de trabalho e renda e de inclusão social. A reciclagem tem que deixar de ser vista como coisa de gente pobre e tem que ser vista como um avanço da consciência social e ambiental de uma sociedade. Então existirão usinas de reciclagem de vidro, de metal, de politileno, de pet, de papel. O trabalho do catador vai ser valorizado como deve ser e a sociedade olhará o resíduo como o valor que o resíduo tem. E deixaremos de ter gente analfabeta, excluída, gente pobre e marginalizada socialmente, vamos ter uma sociedade ambientalmente desenvolvida, uma sociedade mais inclusiva e mais igual é isto que eu defendo e a reciclagem traz estes fatores que incluem não só os catadores. Somos uma sociedade de desperdício,somente de consumo, portanto não só desperdiçamos resíduos, desperdiçamos também pessoas que poderiam e podem exercer sua profissão com mais dignidade e dependem de um olhar, que as vezes é só um gesto, que poderia ser olhar o resíduo como o bem e não como mal.

KATIA VELO – Tião parece que é algo tão simples que poderia mudar tanta coisa se tivesse colaboração da sociedade, vontade política. Agora, mudando um pouco de assunto, eu tenho a impressão que as pessoas menos abastadas tendem a ser mais solitárias. Por exemplo, se acontece um incêncio numa favela, todo mundo vai ajudar. Diferentemente do que acontece num condomínio. Vi muito isto no filme, quando a “Irmã” cozinhava para todo mundo, no meio do lixão e todo mundo feliz, batendo palma. É algo tão lindo. Isto é um fato.

TIÃO SILVA – O espírito de solidariedade é um fator dentro das comunidades mais pobres, é uma questão de sobrevivência, vem do homem das cavernas. E na comunidade, às vezes você precisa sair e é mãe de cinco filhos tem que precisar de uma vizinha para tomar conta e isto aproxima. Sem contar que se você perceber, na favela não tem muro. Então não tem esta coisa do meu território, todo mundo passa na sua casa. E uma das coisas que mais me recordo dentro da favela e mais sinto falta é tipo você está fazendo um churrasco um quilo de carne, um de linguiça, três cervejas. E quando passava o vizinho e dizia “Pô cara, você tá fazendo churrasco e nem me convida”. E eu “Que churrasco cara, só tô com um quilinho de carne”, “Pô cara, tenho umas cervejas, vou trazer” e passa outro, traz outra coisa e quando você vê virou um churracão na laje. É o que faz da favela ser uma comunidade, as pessoas tem muita coisa em comum. Por exemplo, muitos são de origem nordestina e por isto tem um grande respeito. A solidariedade nasce na nossa origem, faz parte da nossa sobrevivência, faz parte do cotidiano. Às vezes, você pode precisar de uma colher de sal, uma xícara de açúcar. O simples nos une. Já o abastado tem a arrogância de pensar que nunca vai precisar do outro e este fator de eu achar que nunca vou precisar do outro, faz a pessoa ter esta arrogância, prepotência, apego a tudo, os valores são invertidos, está no que eu tenho, eu preciso ter para ser. Já quando você é podre o seu ser é o seu ter. A palavra, o papo reto é a palavra tem que valer, pois dentro de uma comunidade ela pode matar ou absolver uma pessoa. Então isto tudo nasce dentro de uma comunidade e acho que não é apenas no Rio. E acho que deve ser em outras comunidades também que possuem suas próprias regras que não são as da sociedade ditas, comum.

KATIA VELO – Nossa me deu até fome falando deste churrasco. Que delícia! Este pessoal é realmente muito animado e alegre, sabe se divertir como ninguém. Eu sou colunista e vou a muitos eventos, mas também sou muito espontânea e eu me divirto, mas vejo que tem muitas coisas que não tem nada a ver. Não levamos nada deste mundo, temos que ser o que somos. Estou adorando a entrevista e gostaria que você me falasse duas coisas. Como você vê a Arte depois do documentário do Vik Muniz e sobre seu livro “Do lixo ao Oscar”. Se em uma entrevista já aprendi tanta coisa, imagine no livro!

TIÃO SILVA – Bom, hoje eu sou um cara que gosta muito de Arte, seja do passado, arte simples, seja artesanato, acho que tinha um gostinho para isto só não tinha aguçado e o Vik que deu este toque. Mas, antes achava que isto era só de gente muito intelectual, estudiosos da arte ou de gente rica. E descobri esta coisa maravilhosa, está em tudo. Trabalhar com o Vik rompi com este paradigma e passei a ver a Arte onde não via antes. No próprio trabalho, com materiais recicláveis, comecei a ver que trabalhar a Arte que o lixo não existe como o Vik mostrou. Comecei a me interessar por Jean Michel Basquiat, Adriana Varejão, Marcelo Ment, OsGêmeos, Fernando de La Rocque, e também de uma artista plástica de Fortaleza que me deu um quadro de presente de tão apaixonado que fiquei.

KATIA VELO – Está entendido em Arte agora hein! Mas, realmente é maravilhoso e não tem nada a ver com questão social e sim com sensibilidade. Para encerrar, fale-nos um pouco sobre seu livro.

TIÃO SILVA – Olha escrever o livro, o desafio, passou pela coisa simples. Quando comecei a palestrar percebia que as pessoas me tratavam muito como Super Heroi e não entendiam que eu tinha tido muitos problemas, com drogas, revolta, relacionamento confuso com o meu pai. O filme “Lixo Extraordinário” entra na minha vida me mostrando quando eu já tinha 28 anos de idade, eu já era um cara maduro, eu já tinha vindo de duas vice-presidências de uma cooperativa de mais de 200 catadores que eram mais velhos do que eu. Eu tive meus problemas mentais, espirituais, minhas depressões, mas sempre tive esta coisa de dar a volta por cima, se entregar é uma coisa difícil para mim. Mas, eu tenho meus momentos difíceis. No ano passado perdi minha mãe, foi um momento muito difícil para mim, você começa a repensar na vida. Será que só pensar em ganhar dinheiro como a gente conversou, agora começo a pensar em outros valores, na minha esposa, na minha filha, você começa a pensar em outros valores e a depressão faz a gente pensar nisto tudo. Mas eu tive meus momentos de rebeldia, relacionamento difícil com meu pai, mas que depois teve a superação o amor que a gente encontrou pelo outro, ele foi meu mentor político, sem esta coisa de glamour, por isto o livro chama “Do lixão ao Oscar”. O quanto é difícil você nascer numa comunidade pobre e não se tornar mais um número da estatística.

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